29 de junho de 2016
Tenda dos Milagres - Jorge Amado


Este é o segundo livro que leio de Jorge Amado, o primeiro foi Capitães da Areia, mas é impossível não identificar o estilo único deste autor que sempre enaltece a riqueza cultural brasileira e denuncia a também brasileira tolice de se auto-desdenhar. Foi com muito prazer que terminei esta leitura e foi igualmente prazeroso ver todas as referências à cultura baiana e à mestiçagem apresentadas ao longo de todo o texto.
A obra vai narrar a trajetória da personagem fictícia Pedro Archanjo, mestiço, baiano, estudioso e auto-didata que escreveu alguns livros falando a respeito da miscigenação brasileira, preconceito racial e a grande influência africana em nossa cultura, tudo isso tendo como plano de fundo a "Tenda dos Milagres" estabelecimento no qual ele e seu amigo Lídio trabalhavam e se divertiam. 

[...] "A Tenda dos Milagres é um espécie de Senado, a reunir os notáveis da pobreza, assembléia numerosa e essencial. Ali se encontram e dialogam iyalorixás, babalaôs, letrados, santeiros, cantadores, passistas [...] cada qual com seu merecimento." [...]  p 104.

Esta história é contada em dois períodos distintos: entre o final do século XIX e primeira metade do XX, quando Archanjo viveu e durante a segunda metade do século XX, com Archanjo há algumas décadas morto e as consequências, ou não de suas obras para a nação.
A verdade é que os próprios brasileiros nunca deram a mínima para os textos dele. Por ter uma origem humilde e mestiça, Archanjo sempre foi desdenhado pelos "brancos", principalmente, por dizer a estes que não existem pessoas brancas na Bahia, todos são descendentes de negros em algum ponto de sua árvore genealógica. Apenas com a chegada de um estudioso norte-americano, vencedor de um prêmio Nobel que diz ter como sonho conhecer a terra do "Grande pensador Pedro Archanjo", é que a sociedade se volta para esta figura e se envergonha por não conhecê-lo, não por causa de sua importância cultural, e sim porque estão "fazendo feio" na frente do gringo... Algo que, infelizmente, até hoje vemos acontecer por aqui...
O "gringo", Levenson, planta a semente que vai reavivar todo o trabalho de Archanjo e é por causa dele que o nosso narrador vai buscar toda a história desta importante personalidade e nos contará cada detalhe, cada causo, cada momento do início ao fim da vida dessa figura tão desdenhada, mas extremamente fascinante, humana e de inteligência e sapiência muito acima da média. 
Em alguns momentos, no entanto, há certos relatos a respeito da personagem que fogem um pouco à realidade e ficamos a nos perguntar se de fato ocorreram, ou se são meras crendices populares. Além disso, temos um panorama informativo muito bem construído sobre o Candomblé, suas entidades, rituais e história, algo que para mim foi muito fascinante! 

[...] "Assim é o povo da Bahia. O homem mais pobre da cidade é igual ao mais poderoso magnata, em seu orgulho de homem; e é, com certeza, mais civilizado." [...] p 108.

Outros pontos importantes a ressaltar são: a homenagem que Amado faz a outros autores brasileiros que viveram na Bahia como, por exemplo, as epígrafes que ele coloca no início de cada capítulo que relembram-nos a tradição poética de Gregório de Matos, como também as críticas "veladas" que ele faz à Ditadura Militar que, no livro, tenta "embranquecer" a figura de Archanjo, contudo sem  o conseguir.

[...] "Polígamo, que infâmia! Não era sequer casado! Meu caro poeta, aprenda esta lição: um grande homem tem de possuir integridade moral e se, por acaso, transgrediu e prevaricou, cabe-nos repô-lo em sua perfeição. Os grandes homens são patrimônio da Pátria [...] devemos mantê-los no altar do gênio e da virtude." p 114.

Bem, espero que tenham gostado da resenha e que, se puderem, leiam este livro que é uma das obras mais nacionalistas que já li em nossa literatura. Infelizmente, este nacionalismo é um grito de protesto contra o racismo e a total submissão cultural de nosso povo porque mesmo sendo um país riquíssimo em beleza, bens, etnias e cultura, nós ainda não andamos com nossas próprias pernas e o mais importante: ainda não vemos o orgulho que deveríamos ter por sermos todos mestiços. 

10 comentários:

  1. Olá!
    A primeira (e única) obra que li do Jorge Amado, até o momento, foi A Morte e a Morte de Quincas Berro D'água. E confesso que gostei muito da experiência. A Tenda dos Milagres eu não conhecia, mas me parece uma obra interessante.
    Jorge Amado foi um grande escritor que valorizou não só seu país, mas também sua cultura e sua terra natal na literatura. Isso não é algo que vemos com muita frequência nos dias de hoje e acho que não deveria se perder.
    Parabéns pela resenha.
    Abraços!

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    1. Olá!
      Ainda não li A Morte e a Morte de Quincas Berro D'água, mas está na minha lista! Pretendo ler tudo o que esse autor escreveu e também os escritos da esposa dele, Zélia Gattai, acho que eles têm um importante papel dentro da conscientização política e social do nosso povo.
      Obrigada pelo comentário! ^^

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  2. Oi, nunca li dada do Amado, mas confesso que esse livro não me atraiu, e por isso, não leria, não sei, o enredo do livro não instigou a minha curiosidade, quem sabe na proxima dica de algum livro dele, eu não leia, mas dessa vez não rolou.
    bjus

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    1. Olá!
      Uma pena! É um autor que deveria ser lido por todo brasileiro.
      Bjss

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  3. Este eu li há tanto tempo que nem lembrava mais do que se tratava. É o tipo de livro que mesmo antigo, tem um assunto que continua atual mesmo depois de anos.
    Bjs!

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    1. Ah! É maravilhoso, né? Infelizmente, a temática dele continua atualíssima, é claro que em menor escala, mas essa depressão cultural que acomete o brasileiro ainda nos é um constante.
      Bjss

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  4. OOi
    Não conhecia o livro, mas mesmo com sua indicação não me atraiu tanto. Pelo menos não no momento, pois ainda quero ler algo do autor, que em muito boas críticas.

    Beijoos
    http://estantemineira.blogspot.com.br/

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    1. Olá!
      Espero que possa ler logo as obras desse autor! ^^
      Bjss

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  5. Olá...que resenha maravilhosa! Eu não costumo ler obras de grandes autores (é uma vergonha, eu sei!), mas tenho bastante curiosidade. Sua resenha me deixou ainda mais curiosa e empolgada.

    Abraços

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    1. Oi, Raquel!
      Obrigada! Que bom que gostou! Acredito que você vai adorar Jorge Amado! =)

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