18 de julho de 2016
Memorial do Convento - José Saramago


Detentor de uma das bibliotecas mais famosas do mundo, além de ser um monumento nacional português, o Palácio-Convento Nacional de Mafra esconde em suas belas e ricas paredes uma história de sofrimento, extrema pobreza, corrupção e desenganos, eternizada  assim pela singular narrativa de um dos maiores  escritores de nossa língua. 
O romance começa em 1711. D. João V, rei de Portugal está desesperado por um filho varão que não vem, mesmo estando casado há dois anos com a austríaca Dona Maria Ana. Alguns padres franciscanos dizem ao rei que tiveram uma visão: se o monarca prometer construir um grande convento para a ordem, "Deus" lhe dará um herdeiro, no entanto, o que D. João não podia imaginar é que sua esposa já estava grávida de um mês quando ele fez a promessa e os franciscanos sabiam disso... 




Em um segundo momento, somos apresentados a Baltasar Mateus, o Sete-Sóis, português rústico que perdeu a mão durante a Guerra de Sucessão Espanhola e por causa disso foi abandonado pelo exército tendo de mendigar para sobreviver. Durante suas andanças ele vê, em Lisboa, uma procissão de condenados pela Inquisição, no mesmo momento, uma moça desconhecida pergunta-lhe o nome, ele responde e está iniciada uma das histórias de amor mais bonitas que já li em minha vida. 
A desconhecida é Blimunda, que por unir-se a Baltasar é chamada de Sete-Luas. A moça perdeu a mãe no mesmo dia em que conhece o homem de sua vida, pois ambas possuem um segredo: a moça pode ver o interior de todas as coisas e criaturas terrenas e sua mãe podia ver tudo o que estava além disso, o presente, passado e futuro, porém, o dom de Blimunda só aparece quando esta está em jejum e depende das fases da lua também e ela ainda promete que jamais olhará o amado por dentro, jamais... 




Nessa mesma cena nos é apresentada outra figura: o padre Bartolomeu Lourenço que, tal como os reis, é uma figura histórica e conhecida como "o padre voador". Baltasar, Blimunda e Bartolomeu são muito diferentes e ao mesmo tempo muito parecidos, unidos pelo amor, a amizade e um sonho em comum:  a construção de uma máquina voadora, chamada por Lourenço de "passarola". 
Ambas as ações, construção do convento e construção da passarola se desenrolam no mesmo período cronológico da narrativa. Enquanto a primeira tem uma localidade fixa, a cidade de Mafra, uma motivação mundana e equivocada, repleta de corrupção, muito dinheiro investido e muitas vidas sacrificadas, a segunda vai depender apenas do estudo do padre, a força de Sete-Sóis e os olhos de Sete-Luas, pois eles precisam "colher" a "vontade" que está dentro das pessoas para fazer com que a máquina voe. 


Esses são os fatos que compõem a história, mas estamos falando de José Saramago, logo, toda a narrativa é feita de maneira polifônica, ou seja, o narrador dá voz as personagens sem qualquer aviso, como se estas tivessem consciência de fazerem parte de uma história, além de trazer informações a cerca do futuro de alguma delas e da própria nação portuguesa. 
Outro ponto marcante é a crítica voraz que o narrador faz e as comparações, metáforas e simbolismos que encontramos a todo momento e que nos mostram a posição política de Saramago e sua opinião a respeito da opulência e do mau-caratismo de vários religiosos e dos próprios monarcas. Nem mesmo o padre Lourenço escapa a essa crítica, uma vez que seu desejo descabido de voar e sua plena convicção de ser superior aos outros clérigos, acaba ferindo não só a si, mas ao casal de amigos também. 
E falando neles, Blimunda e Baltasar representam tudo o que os reis de Portugal tão grandes e tão ricos não são e jamais terão. Apesar de não serem casados, não terem filhos, não terem nada além de uma casinha velha para protegê-los a noite, eles têm amor e é um amor tão natural que nos emociona a cada passagem e a cada demonstração de afeto por mais pequena e singela que seja. É um amor bonito de se ler, ouso dizer que as melhores passagens do livro são aquelas nas quais o narrador discorre a respeito disso. 


Infelizmente, esse amor é a única coisa verdadeiramente bonita e nos alivia por algum tempo porque o convento demora décadas para ser construído, muitas pessoas morrem a Inquisição continua ativa a à caça de Lourenço e, no final de tudo, o que fica é apenas uma vontade. 
Peço desculpas por esse texto! Acho que ficou muito longo e talvez muito confuso, mas é difícil resenhar uma livro como Memorial do Convento. Obras como essa precisam ser lidas, simplesmente. Espero que um dia vocês possam lê-la também e aqueles que já leram, me digam o que mais gostaram da obra, o que acharam difícil, se surpreenderam? 
Porque eu sim e muito! 

18 comentários:

  1. Este foi o primeiro livro que li de Saramago... já lá vão tantos anos! Lembro-me ainda de muitas personagens, do tom de crítica social do escritor para também criticar o mundo atual, da existência do maravilhoso e da escrita marcante dele, uma grande obra que talvez volte e reler para recordar o muito que já esqueci.

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    1. Oi, Carlos!
      Esse foi o primeiro romance de Saramago que li também. Recomendo que você releia porque é mesmo um livro incrível!

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  2. Sua resenha me trouxe boas lembranças desse livro... faz muitos anos que li a obra, e ao ler a resenha oas sensações que tive durante a leitura voltaram... Impressionante como certos livros nos marcam e quando parecemos tê-los esquecido, nos lembramos de vários trechos..rs O casal Blimunda e Baltazar ficou marcado em minha memória! Parabéns pela resenha, e obrigada por me lembrar dessa história quase esquecida no meu baú de memórias...rs

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    1. Olá, Michele!
      Obrigada!! Que bom que gostou da resenha e que ela te trouxe boas recordações do livro! Também fiquei muito marcada por essa leitura e apaixonada pelo casal Blimunda e Baltazar.

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  3. José Saramago é incrível, tenho esta obra em casa e ainda não a li infelizmente.
    Gosto muito quando uma boa história se passada em décadas passadas e ainda tem um ar de realismo interessante. Adorei "Blimunda" hehehehe
    Beijinhos, Helana ♥
    In The Sky, Blog / Facebook In The Sky

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    1. Ah, leia, leia!! Esse romance é maravilhoso!!
      Espero que goste! *___*

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  4. Oi Andrea, como vai?
    Conheci o Saramago através de um filme que assisti na escola, baseado no livro Ensaio Sobre a Cegueira. Então depois desse evento, como se fosse um gatilho, não paro de ouvir falar sobre o autor.
    Queria muito ler uma das obras dele, já que são únicas e é uma experiência completamente diferente de qualquer outra. O livro Memorial do Convento já entrou para a lista dos desejados sobre Saramago.
    Beijos

    -Ricardo, Lapso de Leitura

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    1. Oi, Ricardo! Estou bem e você?
      Eu também conheci o Saramago pelo filme Ensaio sobre a cegueira e adorei! Ainda não li esse romance, mas recomendo muito, muito que você leia o Memorial! É ótimo!! =)
      Bjss

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  5. Oiii, tudo bem?
    Conheci o autor na faculdade mesmo e sou perdidamente e louca pelos trabalhos dele, realmente despertam muito meu interesse, gostei desa história que tu trouxestes por passar em outra época, anos passados, isso de certo modo me agrada.
    Beijinhos

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    1. Oi, Morg! Tudo bem sim e você?
      Espero que você possa ler esse romance em breve! É muito bom mesmo!
      Bjss

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  6. Oi, tudo bem?

    Já tentei ler Ensaio sobre a cegueira e não consegui passar da página 3 HAHA. Meu pendatismo gramatical não permitiu hahaha. Mas esse livro aí me empolgou bastante, porque parece bastante místico. O nome das personagens me deixou curiosa e, com certeza, quero ler essa história! Vou procurar na biblioteca da minha faculdade :) No começo da resenha, achei que fosse uma história real, da corte portuguesa mesmo, mas não é, é? Tô confusa haha. Só lendo agora pra eu entender (o que é ótimo, porque me deixou curiosa).
    Adorei a resenha, me empolgou ^^

    Love, Nina.
    http://ninaeuma.blogspot.com/

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    1. Oi, Nina! Tudo bem sim e com você?
      Olha, Saramago é um pouco complicado por causa da polifonia, mas como você já é habituada a autores como Virgínia Woolf, insista na leitura que você vai gostar! Ainda não tive contato com o livro Ensaio sobre a Cegueira, mas recomendo muito mesmo que você comece por Memorial, ou pelo livro Objeto Quase - antologia de contos muito boa.
      Quanto ao enredo, ele narra um pouco da vida da família real, mas ela é foco apenas para críticas, a história em si fala da construção do convento e de como os pobres tiveram de lidar com isso, sendo representados pelo casal Baltazar e Blimunda.
      Obrigada pelo comentário, minha linda! Espero que aproveite Saramago! =)

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  7. Ooi
    Como diz um amigo: "Você mora debaixo de uma pedra?"
    Acredita que nunca li nada do autor? Na verdade, se me perguntasse quem era ele ou o nome de um livro, eu não responder. Talvez ate lembraria do nome, mas nada sobre.
    Por isso mesmo amei a resenha, agora sei ao menos um nome de livro, Kkkkkk, que por acaso parece ser ótimo.
    Espero ter a oportunidade de lê-lo.
    Beijoos
    http://estantemineira.blogspot.com.br

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    1. Oi, Catrine!
      Espero que possa ler Memorial do Convento! Tenho certeza de que vai gostar! É uma história única e arrebatadora. =)
      Que bom que a resenha te fez conhecer Saramago!
      Bjss

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  8. Olá, de fato obras como essas tem que ser lidas. José Saramago é um clássico dos clássicos, porém nesse momento não me sinto preparada pra lê-lo. Acho que temos que ter uma evolução maior para o entendimento dela. Sua resenha está impecável e me deixou bem curiosa <3
    Beijos,
    diariasleituras.blogspot.com

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    1. Oi, Carol!
      Obrigada! Fico feliz que tenha gostado!
      Eu também pensava assim e me preparei lendo os romances da Lygia Fagundes Teles para, só então, encarar Saramago e vale muito a pena!
      Bjss

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  9. Para ser sincera, não me recordo de ler uma das suas obras, apesar de conhecer seu nome, esse livro parece ser bem interessante, vou pesquisar mais sobre as obras dele e quem sabe dá uma investigada nessa historia.\

    Beijos

    Viviana

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    1. Oi, Viviana!
      Recomendo muito que faça isso, você vai adorar!
      Bjss

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